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FUTURO PROIBIDO

«Estranhamento cognitivo. - A Conrad Editora continua com sua política de lançar poucos livros, mas selecionados a dedo, com títulos que representam o melhor na arte da subversão em todos os campos. Depois da coleção Baderna, que teve o mérito de introduzir os escritos de Hakim Bey no Brasil e de ressuscitar o interesse pela Internacional Situacionista, do Guy Debord, eles agora publicam a antologia de ficção científica Futuro Proibido, organizada por Peter Lamborn Wilson, Rudy Rucker e Robert Anton Wilson. Com colaboradores de peso, como William Burroughs, J. G. Ballard e o próprio Hakim Bey, além dos papas do movimento cyberpunk, William Gibson e Bruce Sterling, o livro é a tradução de uma antologia publicada pela revista americana Semiotext(e), baluarte do pós-modernismo revolucionário que, combinando anarquismo, esoterismo e o melhor da teoria pós-moderna, vem tomando o lugar da esquerda decadente, paralisada pela falência de seus esquemas tradicionais e incapaz de enxergar para onde sopra o espírito da revolução agora que os abandonou.

A proposta de Futuro Proibido é tão simples quanto eficaz: apresentar contos que foram recusados por outras publicações por sua radicalidade, seja na forma, seja no conteúdo. A ficção científica que os interessa não é aquela fc bem-comportada, com histórias manjadíssimas de brilhantes espaçonaves, heróis armados com sabres de luz e belas princesas seminuas à espera de serem resgatadas das garras de monstros de olhos esbugalhados, e sim a ficção científica que questiona noções estabelecidas, desconstrói a realidade consensual e coloca em xeque nossas idolatradas crenças sobre o eu, a identidade e o mundo. Numa palavra, a fc que busca provocar um estranhamento cognitivo no leitor, transformando sua consciência pelo choque. Essa ficção científica deita suas raízes no Almoço Nu e na trilogia Nova Express, de Burroughs, passa pela new wave anglo-americana e desagua no cyberpunk. Todas essas vertentes estão muito bem representadas no livro, através de alguns dos seus principais nomes. Como diria meu falecido amigo Norberto de Paula Lima, é papa fina. E considerando os organizadores, nem poderia ser diferente.

Peter Lamborn Wilson não é outro senão Hakim Bey em pessoa, o misto de filósofo sufi, místico do caos e anarquismo ontológico que mostrou a todos O Caminho com seu imprescindível T.A.Z. - Zona Autônoma Temporária. Rudy Rucker faz parte da primeira geração de autores cyberpunk, com histórias que combinam tecnologia de ponta, misticismo oriental e matemática avançada para levar o leitor a novas e insuspeitadas dimensões do real. E Robert Anton Wilson... Bem, Robert Anton Wilson é um parágrafo à parte.

Se ainda existe alguém que pode ser considerado uma lenda viva, esse alguém é Robert Anton Wilson que, na introdução em terceira pessoa que escreveu para seu conto na antologia, "Parâmetros de Projeto em Cherry Valley (Pelos Testículos)", alega já ter usado mais substâncias químicas estranhas do que qualquer outro dos colaboradores. Polímata legítimo, autoditada e comediante nas horas vagas, Wilson ganhou o Prometheus Hall of Fame Award de 1986 pela The Illuminatus Trilogy, co-escrita com Robert Shea e até hoje a mais alucinada obra jamais inspirada pelas teorias conspiratórias desde o Gravity's Rainbow de Thomas Pynchon. Outra de suas trilogias, Schrödinger's Cat, foi descrita pelo New York Times como "o mais científico de todos os romances de ficção científica", opinião que Wilson não se cansa de repetir com orgulho. Entre seus incontáveis trabalhos, tem ainda uma peça com o instigante título de Wilhelm Reich in Hell. Intimamente ligada a seu trabalho literário está sua obra como pensador radical que, como Hakim Bey, combina esoterismo e anarquismo, mas acrescenta à mistura doses fartas de mecânica quântica, um interesse que se reflete já no título da Schrödinger's Cat Triology. Esse interesse resultou em Quantum Psychology, uma das bíblias da magia do caos (sim, eu sei, a terceira parte do ensaio, não me esqueci) e, ao mesmo tempo, uma investigação sobre os mecanismos que restringem nossa liberdade de criar a realidade que percebemos a partir do caos de possibilidades quânticas. É essa premissa que dá o tom do prefácio de Wilson a Futuro Proibido, do qual termino esta resenha reproduzindo um parágrafo para o leitor sentir o gostinho:

"A antropologia, a psicologia da percepção, a neurologia, a sociologia fenomenológica, a etnometodologia e até mesmo a etologia (em seus estudos dos primeiros registros sensoriais dos animais), todas confirmam a visão quântica e existencialista de que o mundo que percebemos é como um desenho animado que nossos cérebros criaram a partir de sinais que chegam como energia bruta na velocidade de milhões de blipes por segundo. O tipo de desenho animado - ou épico homérico ou novela - que criamos a partir desses sinais varia de acordo com nossos genes (que espécie de cérebro temos - se é de mamífero, de réptil, de inseto etc.) e de acordo com nossos primeiros registros sensoriais, nosso condicionamento e 'aprendizado' - ou lavagem cerebral - através da sociedade, que são perpetuados por nossos hábitos preguiçosos, sendo às vezes modificados e até certo ponto transcendidos apenas graças às tentativas que dizem respeito à criatividade e à maior compreensão do todo."

Yeah, baby. Sou um franco-atirador mas não estou sozinho nas trincheiras. Com companheiros de armas como Robert Wilson e os demais colaboradores de Futuro Proibido, a guerra contra a realidade medíocre e estereotipada que o sistema nos impinge cedo ou tarde será vencida.

(A edição brasileira de Futuro Proibido foi dividida em dois volumes por razões editoriais. Isto é, o segundo volume só será publicado se o primeiro vender. O segundo volume tem preciosidades iguais ou melhores às do primeiro, com contos de Lewis Shiner, John Shirley e Marc Laidlaw, outros três cyberpunks de ponta, além do legítimo herdeiro de Philip K. Dick, Paul DiFillipo, e daquele que os organizadores descrevem como "o próprio Decano da Estranheza, o Papa de Peoria", Philip José Farmer. Por isso, corra para a livraria, a fim de que este segundo volume também aporte em nossas plagas. Compre o seu exemplar e ajude-nos a tomar de assalto o Estúdio da Realidade.) ;-)»

::publicado por Lúcio Manfredi às 5:20 PM de 7 Setembro 2003 em franco atirador


& a edição portuguesa para quando? aqui fica uma bela sugestão para visitantes com tendencias editoriais...

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